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TRT da 2ª Região valida norma coletiva que limita cota de aprendizes no setor de vigilância

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2) reconheceu a legitimidade de norma coletiva firmada no setor de vigilância privada, que restringe a base de cálculo da cota de aprendizes apenas aos postos administrativos.

Com base nesse entendimento, a 13ª Turma negou pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT) em ação civil pública que buscava responsabilizar a empresa Fort Knox ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.

A decisão, unânime, teve como fundamento central a prevalência do negociado sobre o legislado, princípio introduzido pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e reafirmado pelo STF no julgamento do Tema 1.046 de repercussão geral. Para o colegiado, a norma pactuada reflete adequadamente as particularidades da categoria profissional dos vigilantes, cuja atividade é classificada como de risco, exigindo requisitos legais incompatíveis com o perfil do jovem aprendiz.

Nesse sentido, a advogada Juliana Abreu, da Abreu, Barbosa e Viveiros (ABV) Advogados, destaca: “O julgamento é importante porque reforça a ideia de que a negociação coletiva pode adaptar obrigações legais à realidade prática de determinados setores, respeitando as especificidades da atividade econômica. No caso da vigilância, por exemplo, as exigências legais evidenciam a inviabilidade de contratação de jovens aprendizes para essas funções.”

Os magistrados destacaram que a função de vigilante exige idade mínima de 21 anos (conforme Lei nº 7.102/1983), além de ser vedado o porte de arma de fogo a menores de 25 anos (nos termos do Estatuto do Desarmamento – Lei nº 10.826/2003). Tais requisitos, segundo o acórdão, impedem na prática a inserção de aprendizes na função-fim dessas empresas.

O processo contou com provas orais que confirmaram a inviabilidade de contratação de jovens aprendizes para a função de vigilante. Um ex-colaborador da empresa relatou, por exemplo, que instituições como o CIEE se recusavam a formalizar contratos de aprendizagem justamente devido ao risco inerente à atividade. A empresa, contudo, demonstrou manter aprendizes em áreas administrativas, como recursos humanos e tecnologia.

Embora a decisão do TRT2 represente um avanço para o reconhecimento de realidades específicas de determinados setores, Juliana Abreu faz uma ressalva sobre os limites legais da negociação coletiva: “A negociação coletiva tem limites expressos na CLT, especialmente nos artigos 611-A e 611-B. O art. 611-A define o que pode ser objeto de negociação com força de lei entre empresas e sindicatos, enquanto o art. 611-B proíbe a redução de direitos considerados indisponíveis, como normas de saúde, segurança e proteção ao trabalho do menor.”

Apesar do posicionamento da Corte Regional, o tema ainda desperta controvérsia nos tribunais superiores. A Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (TST) já se manifestou de forma contrária à validade de normas semelhantes, entendendo que tais acordos extrapolam os limites da negociação coletiva ao tratarem de direitos difusos.

Juliana Abreu, da ABV Advogados, acrescenta que “o TST, em decisões recentes, tem entendido que normas coletivas não podem tratar de direitos difusos ou de terceiros não representados na negociação, como é o caso dos aprendizes, que são jovens em formação profissional e não são, em regra, representados pelos sindicatos de trabalhadores da categoria econômica. Assim, mesmo que a empresa e o sindicato concordem com uma cláusula que flexibiliza a cota, ela pode ser considerada inválida judicialmente se afetar direitos de terceiros. Essa foi justamente a posição do TST em processos de empresas de transporte de valores, que tiveram normas semelhantes anuladas por violarem direitos que extrapolam a relação direta entre empregador e empregado.”

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, ainda deve se pronunciar definitivamente sobre a questão. A ADI 7693, que trata da constitucionalidade dessas restrições, segue pendente de julgamento sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. Já a ADI 7668 foi rejeitada por decisão monocrática, por falta de legitimidade da entidade autora.

A decisão do TRT2 reforça a importância da negociação coletiva em setores com atividades de alto risco e peculiaridades operacionais. A medida, ainda que pontual, pode sinalizar uma tendência à valorização da autonomia coletiva em contextos nos quais a legislação não alcança as especificidades das relações de trabalho. No entanto, como alerta Juliana Abreu: “Embora o STF tenha reconhecido, no Tema 1.046, a prevalência do negociado sobre o legislado, isso não significa que qualquer cláusula pactuada em convenção ou acordo coletivo seja automaticamente válida.”

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